Impeachment de Bolsonaro: realidade?

O ano de 2019 serviu como demonstração da incompetência política do poder executivo brasileiro. A seu favor o Presidente tinha a segunda maior bancada no Congresso; uma oposição muda; e a reforma da previdência crida como necessária por todas as camadas influentes da sociedade. Assim era, porém Bolsonaro conseguiu perder o apoio de sua própria bancada; foi oposição a si mesmo; e o país cresceu menos da metade do projetado pelo Ministério da Economia – apesar da reforma concluída, que foi falsamente vendida como solução de tudo, quando na realidade é uma medida de longo prazo.

Por isto, não compartilho da surpresa de tantos ao ver o Presidente agir como vem agindo na atual crise. É verdade que não se espera que alguém razoável vá contra as recomendação da OMS de como lidar com uma doença, tanto mais durante uma pandemia. O erro é julgar Jair como razoável. Ele não tem os precedentes dignos de um indivíduo lógico.

Felizmente a Constituição tem o remédio adequado: impeachment. Este, porém, não surge do nada. Em primeiro lugar, não requer apenas o crime de responsabilidade; como todo processo político, necessita de adequada conjuntura política.

Permitam-me lembrar rapidamente o que se passou com Dilma. A então Presidenta tinha nas mãos: alto desemprego, alta inflação, retração do PIB, não tinha apoio de deputados, nem de senadores, nem da população. Além, é claro, do crime de responsabilidade. Jair já possui este – a folha lista 15 crimes – , àqueles ele acelera sem freio, com ou sem culpa.

A crise econômica já está desenhada, é inevitável. Contornável seria se uma boa justificativa fosse dada, e, mais importante, aceita pela população. A Covid-19 é a desculpa perfeita, todo o mais estável.

Mas, ao que indicam recentes pesquisas, a aposta do Presidente na dicotomia de saúde e economia não vem dando o resultado ansiado por ele. O Ministro da Saúde, o próximo na guilhotina por ter protagonismo na crise, tem popularidade superior a Jair, assim como também são populares as medidas de isolamento propostas pela pasta.

Estes sendo os pontos claramente favoráveis ao impeachment, prossigo aos negativos, ou menos positivos, se preferirem.

É da natureza de Bolsonaro o ataque às instituições; ele necessita da constante guerra contra algo ou alguém a fim de se mostrar atuante. Do contrário, não há mobilização de seus seguidores mais fiéis, que são a única constante do governo. Ganha-se em um lado, perde-se em outro. Com os ataques constantes à democracia e aos políticos, quem diria, perde-se cada vez mais o apoio de políticos.

Dito isto, parece ainda haver relutância ao impeachment entre Deputados e Senadores. Penso serem dois os motivos principais: o medo da banalização do processo de impeachment e a certeza da paralisação do Congresso por um longo tempo – o processo de Dilma, por exemplo, durou quase um ano. Acredito que são temores plausíveis. É preciso pensar, entretanto, se são plausíveis o suficiente para a manutenção de um indivíduo evidentemente inapto ao cargo que possui.

Apesar de tudo, o atual Presidente ainda não alcançou Dilma. Para 59% dos brasileiros ele não deveria renunciar. Uma luz no fim do túnel para Bolsonaro.

Concluo que a conjuntura política necessária ao impeachment não existe – ainda. Ainda porque a capacidade única que Jair tem de criar crises parece não ter limites, nem Trump está a altura dele; é escandaloso a alguém não familiarizado com o Brasil. E deveríamos também nos escandalizar.

A este caso, creio que se aplica a famosa frase de Nelson Rodrigues: o que nos falta é o espanto político.

Em favor da representatividade

Toda a história da humanidade parece sugerir que a Arte é algo importante para o Homem; estamos, bem ou mal, a influenciar e ser influenciados o tempo todo por ela. Sem Madame Bovary, talvez Machado de Assis nunca viesse a ser quem foi. Nós, então, já não seríamos quem somos, nem o Brasil o que é. Se um autor tem tanta importância para um país, creio ser possível afirmar que os filmes que assiste uma menina, e também os livros que ela lê, moldam quem ela será ainda mais.

Admito antes que me acusem: nunca fui de me importar com as características físicas de protagonistas em filmes. O protagonista ser negro, mulher, homossexual, nunca me fez gostar menos, ou mais, de um filme. O que não quer dizer, porém, que não há valor nisto para tantos outros. Ora essa, se feministas clamam por representatividade, é evidente que não o fazem por teimosia. Não consiste a empatia justamente em entender aquilo que não lhe é pessoal?

Pois bem, agora, se concordamos na influência que tem a arte sobre uma pessoa, e conseguimos enxergar além de nossa própria angústia, prossigo.

Ainda em 1869, o filósofo britânico J. S. Mill argumentava contra leis que diminuíam a mulher. Acontecia do sexo feminino não ter os mesmos direitos constitucionais que tinha o masculino. O mundo mudou. Ninguém há de afirmar que existem empecilhos legais no Brasil contra o livre acesso da mulher a qualquer posição social.

A igualdade legal entre os gêneros, junto à lenta e gradual desconstrução do machismo, fez com que mulheres hoje tenham poder aquisitivo que outrora jamais tiveram. A demanda por conteúdo que apresente mulheres fortes, independentes, naturalmente cresce. Entra o capitalismo; onde há demanda, há oferta.

Cada vez mais meninas são inspiradas, por filmes e livros, a seguirem profissões que antes apenas homens tinham acesso. 

É possível, sim, que exista alguma atração natural a certas profissões, a depender do sexo do indivíduo. Porém, à medida que modelos femininos são mais plurais no mundo da arte, a diferença percentual de homens e mulheres em certas profissões, historicamente associadas a um dos sexos, diminui. O que indica que a inclinação natural dos sexos, se existente, não é o status quo.

Não sei o que pensa o leitor, mas não posso deixar de odiar a ideia de que, agora mesmo, uma menina genial não se formou cientista – seus pais pensam que ciência é coisa de menino -, e a cura de uma doença deixou de ser descoberta por isto.

Sob qualquer perspectiva, ter modelos femininos e mudar a percepção social a respeito de certas profissões é positivo. Nada se perde; o potencial ainda há de ser calculado.

Mais uma fala covarde de Sérgio Moro

Neste sábado, 29 de fevereiro, o Ministro da Justiça afirmou que a paralisação dos policiais militares do Ceará é ilegal. Bom! Ao ler apenas esse trecho da fala de Moro, pensei que ele havia, finalmente, criado coragem para se mostrar contra a greve. Infelizmente, ele continua:  “…claro que o policial não pode ser tratado de maneira nenhuma como um criminoso”.

Em uma primeira análise, a frase é simplesmente ilógica. Apelo ao dicionário para demonstrar o problema: a palavra criminoso consta como “que ou aquele que infringiu por ação ou omissão o código penal, cometendo crime; delinquente, réu.”. Portanto, ao cometer atos ilícitos os policiais se tornam, por definição, criminosos.

Deixo o leitor decidir se criminosos devem ser tratados como tais ou se preferem a ideia de Moro: dar privilégio a bandidos, quando fardados.

Há outra interpretação possível para a fala do Ministro. Uma talvez ainda pior. Ao se referir a “criminosos” é possível que, na mente dele, a palavra se refira a uma condição intrínseca de maldade: alguns nascem bons, outros não têm tanta sorte. O ladrão pobre, pé de chinelo, obviamente, é o mal; o verdadeiro criminoso; aquele que merece ser tratado como escória. O policial é virtuoso por natureza, não está no mesmo patamar moral dos demais.

O ex-juíz me lembra um pouco Raslkolnikov, personagem de Dostoievski. Este acreditava ser um “timoneiro da humanidade”, um homem entre dez mil. O “homem extraordinário” não tem motivo para se importar com o inferior, que seria “um piolho – inútil, nojento e nocivo”. 

O nosso timoneiro, Sergio Moro, parece ter uma visão singular de si e de seus semelhantes. Aqueles, considerados por ele, virtuosos tem permissão para fazer o que bem entendem, afinal, tem um objetivo grandioso e justo. Aos demais, o código penal.

Já eu cá, considero-me virtuoso apenas por ter conseguido tirar algo de valor do que disse o Ministro da Justiça: os policiais que cometem ilegalidades, de fato, não devem ser tratados como criminosos comuns; são muito piores que estes.

Apenas os agentes do Estado têm o uso legítimo da violência, que é dado, em teoria, apenas aos mais confiáveis dos Homens. Os policiais são o que a sociedade civil tem como modelo de Justiça. Devem ser exemplos. Ao cometer atos ilícitos, devem pagar ainda mais caro.