Um dia desses fiz uma visita ao Youtube para ouvir uma música dessas antigas. O vídeo acabou. Fui aos comentários, já ciente do tipo de comentário que encontraria; nunca resisto. “Isto sim era música”, “nesse tempo é que se entendia o que era música de verdade”. Os comentários são sempre iguais, seja em canções dos anos 60 ou 70, de rock ou bossa nova.
Entendo o apelo do passado. Concordemos que antes de tudo ganha pontos por não ser presente. É uma ideia apenas: não precisa obedecer às regras da realidade se quem a concebe assim deseja. Depois, as representações românticas do passado no mundo da arte nos são inescapáveis, não são assim tão culpados os que sonham com o passado que nunca houve.
Há qualquer coisa que atrai em obras que falam de outros tempos e outros lugares, mesmo que elas não tenham nenhuma pretensão romântica. Fazer parte de uma greve de mineradores franceses — logo franceses! — , faísca de uma revolução socialista, ao lado de Etienne tem lá algo de bonito ou heroico. Com um momento de reflexão, claro que não tem nada de desejável em fazer parte de um romance de Zola, mas nestes momentos de divagação a lógica nunca encontra respaldo.
Ah! A ironia — não tão sutil — em comentários fúnebres a elevar a música antiga quando estas falam justamente em rasgar os laços com o passado. É sempre mais fácil falar bem do já estabelecido como grandioso. Imaginem só, achar um Castro Alves no mar de poemas produzidos hoje em dia, falando apenas em Brasil. Ou então achar um Tom Jobim, que seja. É difícil. Com sorte serão descobertos depois da morte, ou depois ainda.
A dificuldade não está em ler e escutar tudo o que há. Isto seria fácil, um maluco qualquer o faria. Laborioso é estabelecer os critérios que fazem de um clássico um clássico. Encher os pulmões e bradar: -este dormirá ao lado dos Grandes. Ninguém no mundo poderia o fazer. Ninguém. Talvez estes tais critérios nem existam, quem sabe?
Apesar de tudo, há de se reconhecer nos antigos um atalho em relação aos modernos. Qualquer coisa que se deseje tirar de uma obra artística, o caminho mais rápido provavelmente está nos clássicos. Mais pessoas tidas como inteligentes leram e aprovaram os antigos. Aí está a razão única. Claro que se pode ignorar 99% de tudo quanto dizem, mas o mesmo pode ser feito com o que falam sobre os contemporâneos. O ideal seria digerir tudo aquilo que é arte e decidir por si o que é bom. Diante da impossibilidade disto, o melhor é que o pouco que se tem tempo de ouvir, ler e assistir seja escolhido criteriosamente.
A diferença entre admitir que os clássicos têm algum valor e as sabujices comentadas no Youtube está no reconhecimento do moderno como clássico que ainda não teve tempo de ser devidamente colhido.
Quanto ao uso de nosso tempo de maneira criteriosa, retifico-me: perder tempo é ser eficiente – assim ensinam os antigos.