Meu caro amigo, vim lhe trazer novidades. Li há muito tempo atrás uma carta cujo remetente desconheço. O autor tentava fazer algo como o que agora estou a fazer. Não era uma carta muito bem escrita, só cito ela pois me recordo deste autor ter falado umas bobagens sobre Samba, Rock, futebol e choro. Então quero começar esta carta afirmando que, felizmente, hoje já não se toca mais Rock, nem Samba e o choro é raridade.
Evoluímos muito! Tenho orgulho de falar isto. Nossa sociedade já não é mais como antes. Temos uma elite incrível. Falo em termos genéricos de propósito, pois toda a nossa elite é digna de elogio. Elogio do mais alto nível! Nossos intelectuais, por exemplo, são verdadeiros heróis. Foram estes que nos ajudaram a acabar com toda a música boba de outrora. Samba e Rock, como eu já disse, não são mais bem vindos aqui. Agora só tocamos os clássicos de Wagner & cia.
Na política, estamos caminhando na direção certa. Nosso líderes conseguiram comprar um bocado de doses de um remédio que cura uma doença nova – desculpe, me adianto. Acontece que recentemente surgiu esse tal vírus – diz-se que surgiu naturalmente, mas, cá entre nós, acho que a história não é bem essa. É coisa boba, só menciono o fato para adicionar contexto.
Eu falava da cura. Pois é. Somos agora o país mais bem equipado para lidar com a pandemia – esqueci de dizer, o vírus acabou se espalhando pelo mundo, mas está tudo sob controle. Nosso líder fez o possível e o impossível para nos ajudar. No fim das contas, apesar de previsões extravagantes, poucos foram os falecidos. Só não dou números exatos pois não os tenho comigo no momento, e, como você sabe, não gosto de ser impreciso.
Há pouco tempo ocorreu uma coisa que acho válida mencionar, mais pelo fator simbólico. Um grupo de pessoas, das mais honradas, diga-se, conseguiram falir uma das maiores empresas do mundo. Na verdade, a empresa quase faliu, ainda tem um ou outro consumidor. Mas, voltando, o motivo foi dos mais nobres. Esta tal empresa pensou que seria uma boa ideia colocar uma mulher numa campanha de dia dos pais.
A situação é um pouco complicado, tentarei dar o panorama geral. Há por aí uma cirurgia que faz mulheres virarem homens e também o contrário – ou assim dizem. Esta mulher fez isto e agora fala que é um homem. Parece até que essa pessoa tem um família e filho, pelo que sei é até bom parente; mas o ponto não é este. O problema, como sei que você já imagina, são os seus genes. Afinal, como uma mulher de genes xy, seria impossível para ela mudá-los. Assim, deu-se o boicote.
Já me estendi demais, porém lhe contarei mais um caso para não ser acusado de parcialidade. Apesar da nossa evolução, tragédias ainda acontecem. Falo isso com a maior dor no coração, acredite. Há pouco, uma menina estava grávida e lhe foi permitido que abortasse aquele ser dentro dela. Maior comoção nacional. Sim, deixamos que um assassinato acontecesse, e sem nenhum tipo de punição à menina.
Peço perdão por ter de adicionar algo tão sombrio numa carta dessas, preferiria omitir algo assim, mas a verdade deve ser dita por inteira, lembro-me que algum poeta falou isto.
Sinceramente, quase choro só de pensar neste homicídio. Não tive nem coragem de me aventurar a ler todas as circunstâncias do crime, pois minha alma não aguentou continuar lendo sobre o caso.
É isso. Devo terminar por aqui, minha emoção me impede de alongar esta carta. Só queria lhe transmitir a situação atual das coisas. Apesar desta última notícia, devo dizer que a coisa aqui não está preta de jeito nenhum, como disse aquele remetente desconhecido. Se me permite o trocadilho, a coisa está branquíssima! Ah, sim, quase esqueço do futebol. Me furtei de falar sobre isto no início, mas, não se preocupe, aqui ainda jogamos futebol.
Com muito carinho, do seu querido amigo.